Solidão

Felipe Ferreira
2 min readApr 5, 2019

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Fonte: Pxhere.

Domingo em quarentena. Tô sozinha em casa. Domingo era dia de a gente ficar sozinha. Domingo era dia de gente sozinha. Mesmo se eu estivesse acompanhada, eu estaria sozinha (na minha cabeça).

Minha cabeça é onde passo a maior parte do tempo. Sou do tipo que fica mais dentro do que fora. Vivo em mim. E me tirar de mim dá trabalho. Habito onde habitam meus pensamentos. Eles são meus companheiros. Não porque querem. São meus prisioneiros. Porque são meus, eles não podem ser pensados noutra cabeça. Se pudessem, já teriam fugido. Mas não podem. Sou hermética.

Domingo era dia de a gente acordar pensativa. Domingo era dia lerdo. Era prévia da segunda. Era saudade do sábado. Se fosse domingo normal, a gente revisaria a semana que passou. Planejaria a que tá começando. Domingo era o primeiro dia. Mas era dia que já começava cansado. Era dia pesado.

Hoje deu vontade de ler Nietzsche. Hoje acordei filósofa. Hoje acordei Arendt. Hoje acordei Beauvoir. Hoje acordei Butler. Hoje acordei. Tem gente que não acorda, principalmente se for domingo.

Hoje tô à flor da pele. Não, a botão da pele. Até o final do dia, desabrocho. No final do dia, brocho.

Solidão de domingo faz a gente andar devagar, reparar texturas, gostos, cheiros. Faz a gente parar. Faz a gente sentir necessidade de atualizar sentidos, de ressignificar sonhos, dores, desejos, ansiedades, ambições.

Solidão é democrática feito o sol. Não faz distinção de pessoas. Nós, pessoas, é que a tratamos de formas distintas.

Dizem que somos quem realmente somos quando estamos sós. Então não sei quem sou. Há muitas versões de mim pleiteando protagonismo; várias esquisitas, inclusive. Quando tô só, costumo encará-las. Suspeito ser constantemente editada, revisada, subtraída, ampliada. Acho que nessa vida eu vim rascunho. Sou o tipo de pessoa de quem não se pode esperar desfecho. Eu sequer cheguei ao clímax. Ainda tô em desenvolvimento.

Reparou? Solidão de quem quer estar só é descanso. Solidão de quem é obrigado a estar só é enfado.

Hoje minha companhia é volátil. Sobe pra cabeça. Conversa com uma e outra ideia. Depois vai embora. Evapora. Não deixa hálito. Se muito, umas memórias. Gim é ótimo.

Fonte: Pxhere.

Hoje minha companhia são meus pensamentos, que se pudessem já teriam ido embora. Não podem. Minha cabeça é teimosa; é esquiva; é hiato. Solidão é assistir à cena? Ou solidão é ato? Solidão é monólogo? Ou solidão é diálogo?

Amanheceu.

Segunda em quarentena.

Mas parece domingo de novo.

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Felipe Ferreira

Jornalista de formação. Publicitário de atuação. Gosta de escrever e brincar de ser várias gentes numa pessoa só. Não segue o script.