Querido futuro namorado

Felipe Ferreira
5 min readJun 14, 2018
Fonte: Pxhere.

Oi. Como você tá? Nem te conheço, mas já te gosto. Não gosto sempre, porque sei que você vai me fazer raiva às vezes; mas passo mais tempo gostando de você do que não gostando. Ah, eu sou geminiana com ascendente em Áries, Lua em Aquário… Espeeeeeera!!! Não sai correndo não! Sei que parece difícil lidar, mas sou espiritualizada. Deus compensa.

Gosto de você porque decidi que ficaria com alguém de quem eu goste de verdade, e que goste de mim também. Mais fácil quando existe consenso, né? Assim eu não preciso me esforçar além da conta pra que você fique. (Uma hora a gente cansa.) Aliás, preciso que você seja descanso, não preocupação. (Pra isso tenho meu irmão caçula, de quem faço as vezes de mãe.)

Eu não tô desesperada, é sério! Na realidade, nunca estive tão bem sozinha como eu tô agora. Acho que é por isso que me sinto preparada pra você. Então, por favor, não estrague tudo! Você não precisa gostar de todas as coisas que eu gosto. Até porque se você gostasse, as chances de você ser eu seriam muito grandes. Tenho gostos inusitados, a culpa não será sua.

Fonte: Pxhere.

Não fale da sua ex no nosso primeiro encontro, ok? Isso vai contra o protocolo-do-bom-primeiro-encontro. É você quem eu quero conhecer, não ela. Nem comece com aquela conversinha chata, tipo “tenho medo de me machucar outra vez e blá-blá-blá”. Tati Bernardi já dizia “Sinto certa pena do medo. No final, qualquer medo vira mais um bicho-papão de pelúcia empoeirado e esquecido em algum canto que não visitamos para não atacar a rinite”.

Não quer se machucar? Então não desce pro play. (Sou off-road, adventure, endure, truck, 4x4, hardcore, intense. Tá avisado!) Gostar de alguém é se aventurar, é não ter o controle de tudo. Quem nunca se machucou, se decepcionou, se entristeceu? Condições de gente viva. Então se desapega desses ranços e bola pra frente. Nenhum de nós sabemos quando será nosso fim. Mas não precisa ser enquanto estamos vivos. Vamos viver a vida, em vez de lamentá-la.

Sou sensível sim, mas também sou sustentável. Não invisto energia em algo que não tenha chances de dar certo. Quero aprender com você, te admirar. Enxergar as mesmas coisas de antes com outras perspectivas por sua causa. Receber suas indicações de músicas porque, apesar de não termos as mesmas preferências, você sabe identificar meus gostos. Ganhar presentes em datas nada a ver, porque se fosse dia dos namorados ou meu aniversário não seria surpresa.

Também quero sua sinceridade: seu amor sincero, sua raiva sincera, sua alegria sincera, seus defeitos e qualidades sinceros. Quero estar com você não porque você será minha metade. Eu e você somos inteiros sozinhos. Quero estar com você porque vou ser uma pessoa melhor depois de te conhecer. (Porque se for pra eu me sentir pior depois de alguma coisa, deixe que minhas provas já fazem isso muito bem, obrigada!)

Entenda que eu vou do chá quente de melissa à catuaba com gelo; da seriedade impassível ao riso frouxo; da leitura de García Márquez à Hora de Aventura na Netflix; de um bate-papo filosófico sobre a fenomenologia de Husserl ao batidão do funk com as mana; da antipatia política à militância pelas minorias; da ânsia pelos prazeres devassos à necessidade de me isolar num retiro espiritual. Sou uma mistura de suavidade intensa, tranquilidade impaciente, calma inquieta, silêncio barulhento, esperança desesperada, bondade desconfiada e uma baita contradição coerente.

Algumas pessoas, senão a maioria delas, pensam que o fato de você ser-gostar-fazer uma coisa exclui automaticamente a possibilidade de você ser-gostar-fazer outra. Acho esse pensamento pequeno demais! Espero que você não pense assim; do contrário, não funcionaremos juntos.

Peguei um trecho emprestado do último episódio de uma série maravilhosa chamada Sense8 e fiz algumas adaptações nele, pra te falar sobre como me sinto e onde você entrará nessa história toda — na minha história. Vou marcar o início e o fim desse trecho com três pontinhos. (Tomara que você goste de séries. Alerta de spoiler!)

Fonte: Netflix. Cena retirada do último episódio de Sense8.

Vivemos num mundo que não confia nos sentimentos. O tempo todo somos lembrados de que os sentimentos não são tão importantes quanto a razão, que sentimentos são infantis, irresponsáveis, perigosos. Somos ensinados a ignorá-los, controlá-los ou negá-los. Mal entendemos o que eles são, de onde vêm… Mas eu sei que os sentimentos são importantes. Às vezes eles são pequenos como quando sinto cheiro de canela e sinto saudade da minha avó… Porém, se você tiver sorte, muita sorte, um sentimento aparecerá e mudará tudo.

Confesso que não gosto de promessas. Tenho medo de coisas fingindo que são permanentes, porque nada é permanente. Minha vida, especialmente nos últimos anos, é uma prova de que as coisas mudam, as pessoas mudam. Mas com você, isso não vai me assustar. Isso vai me deixar feliz, animada, porque não consigo imaginar uma vida melhor do que ver você mudando, evoluindo, crescendo. Quero ver tudo que você vai se tornar. Quero saber como seu cabelo vai estar daqui a um ano e daqui a décadas. E quando formos dois velhinhos enrugados… os dois puxando os cobertores — se isso acontecer de fato — sei que ainda me lembrarei do nosso primeiro encontro… porque nos seus braços eu vou me sentir em casa.

Querido futuro namorado, eu tô pronta pra você. Mas também tô pronta pro caso de você não aparecer. Se você estiver disposto aos desafios que esta carta sugere, seja bem-vindo. Só, por favor, não estrague tudo!

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Felipe Ferreira

Jornalista de formação. Publicitário de atuação. Gosta de escrever e brincar de ser várias gentes numa pessoa só. Não segue o script.